O impacto do jogo: uma crise que as crianças e os adolescentes estão pagando

Fast Company
10
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16 de dezembro de 2024
O impacto do jogo: uma crise que as crianças e os adolescentes estão pagando

Ricardo Wako, gerente nacional da Kids Corp Brasil

Nos últimos anos, os jogos de azar online, conhecidos atualmente como bets, se expandiram de forma alarmante no Brasil, afetando adultos e menores.

A exposição às apostas online tem crescido consideravelmente, impulsionada por fatores como a falta de regulamentação específica, fácil acesso às plataformas de apostas e uma onda massiva de publicidade que incentiva a normalização dessas práticas desde cedo.

O fenômeno das apostas, principalmente por meio de plataformas online, está cada vez mais arraigado na sociedade. No Brasil, três em cada 10 pais de crianças de 10 a 17 anos relatam ter jogado no último mês*. A maioria deles são homens com menos de 44 anos e de nível socioeconômico médio-alto.

Dos que jogam, 92% fazem apostas em canais formais, como sites e aplicativos. No entanto, 13% também usam canais informais, como grupos de WhatsApp e Facebook.

Essa tendência gera preocupações significativas entre os pais sobre o impacto desse hábito em seus filhos: 84% temem desenvolver vício em jogos e 80% estão preocupados de que eles comecem a jogar.

O impacto do jogo no grupo demográfico com menos de 18 anos é ainda mais alarmante e merece atenção prioritária. Crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos no Brasil não apenas têm um alto nível de conhecimento sobre jogos de azar, mas também mostram uma tendência preocupante de se envolver ativamente no esporte:

84% 84% estão cientes da existência e possibilidade de fazer apostas online;

30% já jogaram e alarmantes 68% o fizeram no último mês.

Da mesma forma, a influência social é fundamental nesse comportamento: 61% dos que apostaram recentemente o fizeram motivados pela experiência de um amigo, o que reflete como o sentimento de pertencimento desempenha um papel crucial na normalização dessas práticas.

Mas o problema não termina aí. Os efeitos financeiros e econômicos são evidentes:

● 54% usaram dinheiro que não tinham para jogar;

● 39% temem não conseguir parar de apostar, apontando a uma clara vulnerabilidade ao vício.

Esses números refletem a necessidade urgente de medidas para proteger o público sub-18 dos riscos associados ao jogo.

Assim como, há uma década, diversas empresas do setor digital estão comprometidas com a construção de uma internet mais segura para as gerações futuras, as novas indústrias de esportes e entretenimento devem se conscientizar sobre os danos aos jovens. É fundamental que esses players atuem com responsabilidade para garantir um ambiente que priorize o bem-estar geral mas, principalmente, o das novas gerações.

RESTRIÇÕES À PUBLICIDADE DE JOGOS DE AZAR

O impacto do jogo sobre os menores não é um fenômeno isolado ou casual. É impulsionado, em grande parte, pela normalização gerada por práticas publicitárias agressivas, especialmente em ambientes esportivos. A publicidade das bets é onipresente nos esportes, principalmente no futebol, valendo-se da paixão por clubes e ídolos para se conectar com esses públicos vulneráveis.

No Brasil, 75% dos times da primeira divisão são patrocinados por casas de apostas, expondo as crianças a essas marcas de forma constante. Segundo dados da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), essas empresas investirão cerca de R$ 2 bilhões (US$ 346 milhões) no futebol brasileiro até 2025, consolidando sua influência no setor esportivo.

Apesar dos avanços regulatórios promovidos pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP) e Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), percebe-se que as regulamentações atuais, como a Lei 14.790/2023, ainda são insuficientes para tratar de forma abrangente os riscos associados aos jogos de azar.

A normalização das apostas nos esportes reflete um vazio regulatório que, enquanto sociedade, não podemos ignorar. Já assistimos aos efeitos positivos da regulamentação da publicidade de outros produtos nocivos, como o tabaco e o álcool.

No Brasil, a publicidade de cigarros é proibida nos meios de comunicação de massa e restrita apenas aos pontos de venda. As bebidas alcoólicas enfrentam limitações estritas, como a proibição de associar o consumo ao sucesso social ou esportivo, além da obrigação de incluir advertências sobre o consumo responsável e restrições de vendas.

Seguindo esses precedentes, é urgente implementar regulamentos semelhantes para apostas.

● A publicidade de jogos de azar não deve estar disponível para crianças e adolescentes em nenhum meio de comunicação, considerando que é inevitável que assistam a esportes;
● O acesso a essas plataformas deve ser estritamente restrito a maiores de 18 anos, por meio de verificação de identidade eficaz.

O jogo é um problema cuja solução não pode esperar mais. Como sociedade, devemos priorizar a proteção do público infanto-juvenil, garantindo que ele cresça em um ambiente seguro, longe da influência de graves vícios que ameaçam o bem- estar e o desenvolvimento dos mais vulneráveis.

A inação não é uma opção. É hora de agir, estabelecendo regulamentos e garantindo que as plataformas de apostas e sua publicidade estejam fora do alcance do público sub-18. Só então poderemos cessar este dano e construir um futuro mais responsável para as futuras gerações.

* Fonte: Portal Kids Corp Insights . Amostra de 4.639 entrevistados (pais e filhos de 10 a 17 anos). Pesquisas on-line realizadas em agosto e setembro de 2024.

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